sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

A Mudez da Palavra

silêncio selvagem
chicotinho de palavras
dói tanto
que amarga
a boca de quem ouviu
............................ouviu ouviu
..........ouviu
.........................ouviu ......ouviu
ou
viu
e não disse nada.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

DE LÁ PRA CÁ

Avesso Bíblico

No início
já havia tudo.
Mas Deus era cego
e, perante tanto tudo,
o que ele viu foi o Nada.
Deus tocou a água
e acreditou ter criado o oceano.
Tocou o chão
e pensou que a terra nascia sob os seus pés.
E quando a si mesmo se tocou
ele se achou o centro do Universo.
E se julgou divino.
Estava criado o Homem.
.
.
Mia Couto (1955), Moçambique

domingo, 26 de outubro de 2008

Meninice

Como se fosse a primeira vez
Ela lambeu a ponta do lápis – mania que tinha
Riscou os olhos – traço curto e grosso

Como se fosse a primeira vez
Ela a olhou e disse:
“você não quer se riscar também?”

Como se fosse a primeira vez
As duas gerações descobriam-se
Pelo rastro dos riscos nos olhos.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

"Hoje em dia..."

.
Sentia falta do tempo
em que as poesias (se) exaltavam:
- Oh céus, oh Cristo!
E por isso não lia mais
poemas, não aparecia
nos lançamentos, nas livrarias,
saraus ou sebos.

- Oh céus, mas que merda!
.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

DE LÁ PRA CÁ

Probable Lineage



Autor: Dan Waber

terça-feira, 14 de outubro de 2008

GARIMPO LITERÁRIO

Se eu me precipitasse...

se eu me precipitasse
em um precipício
e esse fosse a princípio
uma boca que falasse

e essa decidisse
pôr fim à queda e à sua falácia
e predissesse
qual um vate que musas invocasse

meu destino
e o mais que me coubesse
eu principiaria a rir
como se risse fosse

o passe de mágica
que transfigurasse
o que parecia inevitavelmente trágico
na mais despretensiosa tolice
.
.
Autor: Paulo de Toledo

M'água

Escrevo à luz da palavra que me consome:
rendo-me tão-somente às idéias
- dois ou três copos d’água –
nem sinto fome.
Vai dizer que viver
não é feito de mágica?
Mas, agora, racionamento de água:
falta-me inspir-ação, ânimo, páginas.
O solo resseca, o corpo sossega,
e a mente traja
luto.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

COMO DIRIA MANUEL BANDEIRA...

A Mário de Andrade Ausente

Anunciaram que você morreu.
Meus olhos, meus ouvidos testemunham:
A alma profunda, não.
Por isso não sinto agora sua falta.

Sei bem que ela virá
(pela força persuasiva do tempo)
Virá súbito um dia,
Inadvertida para os demais.
Por exemplo assim:
À mesa conversarão de uma coisa e outra.
Uma palavra lançada à toa
Baterá na franja dos lutos de sangue,
Alguém perguntará em que estou pensando,
Sorrirei sem dizer que em você
Profundamente.

Mas agora não sinto a sua falta
(É sempre assim quando o ausente
Partiu sem se despedir:
Você não se despediu.)

Você não morreu: ausentou-se.
Direi: Faz tempo que ele não escreve
Irei a São Paulo: você não virá ao meu hotel.
Imaginarei: Está na chacrinha de São Roque.

Saberei que não, você ausentou-se. Para outra vida?
A vida é uma só. A sua continua
Na vida que você viveu.
Por isso não sinto agora a sua falta.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

GARIMPO LITERÁRIO

genealogia
a Cláudio Oliveira

No princípio eram as letras
Desarrumadas Quando nem alfabeto
havia De sentido
apenas a própria matéria
letral Os arranjos faziam-se
Por entre xsc vhal deim
deu no que deu: num verbo
Depois noutro e noutros A partir daí
tudo ficou mais fácil
As letras aprenderam a movimentar-se
De seus encontros nasceram
coisas como mar dobradiçasdo-
asfalto homens sol
roldanas-do-engano chaves-de-fenda
(estas últimas serviam
pra desmontar os encaixes
- com elas é que se descobriu
que dentro de todas as coisas
são letras que existem) Tempo virá
em que os arranjos voltarão a lembrar
estas sintaxes E traçarão outras
Estrangeiras
Começando sempre por onde nunca
se sabe


Autor: Alberto Pucheu

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

O olhar penetrante sobre o corpo de um poema
pode engravidá-lo.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

ela lê o beabá do levedo
e lambe o dedo que leva o lápis:
aí vem o olho esquerdo a ver ao lado
o louvor da letra que se faz no copo
a loucura bêbada que se faz num chopp
-----------------------------------ou
---------------------------------cerveja

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

COMO DIRIA AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA...

Arte-final

Não basta um grande amor

.....................para fazer poemas.

E o amor dos artistas, não se enganem,

não é mais belo

.....................que o amor da gente.

O grande amante é aquele que silente

se aplica a escrever com o corpo

o que seu corpo deseja e sente.


Uma coisa é a letra,

e outra o ato,

.....................- quem toma uma por outra

............................confunde e mente.

domingo, 24 de agosto de 2008

L'homenaje

A party de agora
é fiesta!
A palavra está solta
do papel ao céu da boca
- Oh, este muy bello ciel!
Quiero comer New York,
los muffins de New York,
los seios de la statue de New York
- commettere un scandale public!

E assim amarrar minha bandeira
em todas as línguas.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

GARIMPO SEMANAL

COISA

Creio que irei morrer.
Mas o sentido de morrer não me comove.
Lembro-me que viver ou morrer são classificações como animais ou vegetais que tenham seu normal ou mais freqüente meio de vida. Apenas faço parte das coisas.
Aceito as dificuldades da vida porque fazem parte do destino – e acredito que sem elas não haveria propósito.
Se me queixo?
Sim, me queixo como quem meramente aceita, e encontra uma alegria no fato de aceitar.É difícil tanto quanto sublime aceitar o natural inevitável.
Sei que o mundo existe, só não sei se eu existo.
Estou mais certa da existência da minha casa na praia do que a existência da dona da casa na praia.

Só sei que a vida passa e não estamos com nossas mãos enlaçadas.

Tudo que existe simplesmente existe, é uma velhice que nos acompanha desde a infância.
A realidade não é uma idéia minha, a minha idéia de realidade é que é uma idéia minha.
Por que será que Deus quis que não o conhecêssemos?
Eu não sou filosófica: tenho sentidos...
Se falo de coisa não é porque sei o que é coisa, mas porque a amo, e amo por isso. Porque quem ama nunca sabe o que ama, nem por que ama, nem o que é amar. Amar é a eterna inocência.
E, ao lerem meus textos – pensem que sou qualquer coisa.


Escrito por Bianca Feijó
Disponível em: http://biancafeijo.blogspot.com/

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

COMO DIRIA MILLOR FERNANDES...

Poesia Matemática

Às folhas tantas
Do livro matemático
Um Quociente apaixonou-se,
Um dia,
Doidamente,
Por uma Incógnita.
Olhou-a com o seu olhar inumerável…
E viu-a, do Ápice à Base.
Uma figura Ímpar;
Olhos rombóides, boca trapezóide,
Corpo ortogonal, seios esferóides.
Fez da sua
Uma vida
Paralela à dela.
Até que se encontraram
No infinito.
“Quem és tu?” indagou ele
Com ânsia radical.
“Sou a soma dos quadrados dos catetos.
Mas pode chamar-me de Hipotenusa.”
E de falarem descobriram que eram
- O que, em aritmética, corresponde
A almas irmãs –
Primos-entre-si.
E assim se amaram
Ao quadrado da velocidade da luz
Numa sexta potenciação;
Traçando
Ao sabor do momento
E da paixão
Rectas, curvas, círculos e linhas sinusoidais.
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidianas
E os exegetas do Universo Finito.
Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.
E, enfim! resolveram casar-se.
Construíram um lar.
Mais do que um lar,
Uma perpendicular.
Convidaram para padrinhos
O Poliedro e a Bissectriz.
E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro,
Sonhando com uma felicidade
Integral
E diferencial.
E casaram e tiveram uma secante e três cones
Muito engraçadinhos
E foram felizes
Até àquele dia
Em que tudo, afinal,
Vira monotonia.
Foi então que surgiu
O Máximo Divisor Comum
Frequentador de Círculos Concêntricos.
Viciosos.
Ofereceu-lhe, a ela,
Uma Grandeza Absoluta,
E reduziu-a a um Denominador Comum.
Ele, Quociente, percebeu
Que com ela não formava mais Um Todo,
Uma Unidade. Era o Triângulo,
Tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era a fracção
Mais ordinária.
Mas foi então que Einstein descobriu a relatividade
E tudo o que era espúrio passou a ser
Moralidade
Como, aliás, em qualquer
Sociedade.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Sacilettra

domingo, 27 de julho de 2008

Inconfessáveis

Se escrevo é porque não suporto em mim
essa palavra ardente. E porque sufoca-me
o ar dessa enciclopédia aguda, a altura
do penhasco com o qual me defronto
quando penso em saltar - é sempre mais
alto, e maior o risco do tombo. Eu lhe escrevo
e ponto. Mas explico porque me inundam
as lágrimas que castigas ao receber notícias
minhas. Já houve um tempo em que havia tempo
e a gente só ria. Já houve riso, sentido, olhares
que se cruzavam atônitos antes de outro riso
e sentido. Olhares. Houve. E agora não enxergo
motivo para não lhe escrever sobre o vazio
que habita os cômodos - incomoda. É um tapa
o gesto que procuras ao me sentir chegando.
Eu sei que é Janis Joplin a sua dor, e descubro:
O número 2 é infinito. Multiplica-se e se subtrai;
nada harmonioso; inconfessável. Foram os hormônios
da época, eu a perdôo! Eu a perdoarei a cada
sorriso que essa criança esboçar
imitando o seu nome.
imitando o seu nome.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

GARIMPO SEMANAL

A GRACILIANO RAMOS

O dia é um rio. E nele
bebo as estrelas do céu
e recrio
nos remansos de cobras
os bambuzais.
Ao léu, penso ovelhas,
penso folhas que não caem,
carícias de vento nos coqueirais
— a vida que se disfarça.

Do trem que não passou,
penso a fumaça.



Autora: Lenilde Freitas
Disponível em:
http://www.algumapoesia.com.br/poesia3/poesianet251.htm




quarta-feira, 18 de junho de 2008

Bólide Palavra


sábado, 24 de maio de 2008

COMO DIRIA HILDA HILST...

Araras versáteis

Araras versáteis. Prato de anêmonas.
O efebo passou entre as meninas trêfegas.
O rombudo bastão luzia na mornura das calças e do dia.
Ela abriu as coxas de esmalte, louça e umedecida laca
E vergastou a cona com minúsculo açoite.
O moço ajoelhou-se esfuçando-lhe os meios
E uma língua de agulha, de fogo, de molusco
Empapou-se de mel nos refolhos robustos.
Ela gritava um êxtase de gosmas e de lírios
Quando no instante alguém
Numa manobra ágil de jovem marinheiro
Arrancou do efebo as luzidias calças
Suspendeu-lhe o traseiro e aaaaaiiiii...
E gozaram os três entre os pios dos pássaros
Das araras versáteis e das meninas trêfegas.

sábado, 17 de maio de 2008

Clarispectorando

um
silêncio
de
dar

( )
in-
cêndio
no
des... viu?
( )
antigamente eu era eu mesma.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

GARIMPO SEMANAL

Poema Frio

Inverno
inaugurou hoje
não no calendário,
que lá inda é outono,
mas no ano
no dia
na pele.

Inverno
invadiu o ar
que chora
uma chuva
molhada
chuva de inverno
molha até os papéis
(os que estão
nas gavetas)

Inverno
chove triste
molha a roupa
molha o corpo
molha os ossos
chora o dia
até virar noite

Inverno
encharca
as calçadas,
emboscado
embaixo das lajes,
alagando frieiras,
penetrando por
insuspeitos
buracos no sapato.

Inverno
triste e cinzento
como o dia
como a cidade
como o mofo
das paredes
e da alma
das pessoas

Se o inferno
fosse frio,


seria inverno


Autor: Renato de Mattos Motta

quinta-feira, 1 de maio de 2008

caça-palavras











quarta-feira, 16 de abril de 2008

and the oscar goes to...

Eu vou escrever um discurso para o bem
de todos. Vou celebrar toda uma Nação,
e Estados miniaturas da África,
da Europa e da Ásia - vou disseminar o vírus poético-
caótico no Azerbaijão. Em francês, une chanson triste
para os corações empedrados - leite em pó violado:
os ratos esperam seus restos – Oh, Imortais
da Literatura, eis mais um prêmio - o derradeiro,
o sentenciador - o mais perfeito é deixado para o final:
a Morte!

terça-feira, 8 de abril de 2008

COMO DIRIA ANA CRISTINA CESAR...

discurso fluente como ato de amor
incompatível com a tirania
do segredo

como visitar o túmulo da pessoa
amada

a literatura como clé, forma cifrada de falar da paixão que não pode
ser nomeada (como numa carta fluente e "objetiva").

a chave, a origem da literatura
o "inconfessável" toma forma, deseja tomar forma, vira forma

mas acontece que este é também o meu sintoma, "não conseguir falar" =
não ter posição marcada, idéias, opiniões, fala desvairada.
Só de não-ditos ou de delicadezas se faz minha conversa, e para
não ficar louca e inteiramente solta neste pântano, marco para
mim o limite da paixão, e me tensiono na beira: tenho de meu
(discurso) este resíduo.

Não tenho idéias, só o contorno de uma sintaxe ( = ritmo).

quinta-feira, 3 de abril de 2008

GARIMPO SEMANAL

Depois de agora

A chuva já recomeça:
e o sol ainda resta em frestas
(como o significado da palavra solidão).

O tempo mente o relógio.
Quanto tempo leva?
(uma tristeza para se libertar)

O tic-tac sem pressa...
Uma beleza leva quanto?
(Tempo para germinar)

Quem vai responder,
mesmo que se engane,
saberá que o engano às vezes é bom.

Por dentro
o tempo não pára enquanto
a minha roupa quara,
da janela pra dentro é
o mesmo (tempo.)

Temporal.


Do Poeta Marcos no Sindicato dos Escritores Baratos

sábado, 29 de março de 2008

Discussão

Falácias
Faces de palavras
......F...A...L...É
......................S
.........................I
...........................AS
..............................onde o corpo não é
lugar algum
Prata preta no lixo
da boca
Dá o que falar
(muita porcaria!)
em meio
ao cenário branco.

terça-feira, 25 de março de 2008

Aqui

De onde me encontro
- e me perco onde? -
posso ver as fagulhas,
as falácias, a facilidade
com que trabalhas a verborragia
quase inútil - operário das palavras;
examina
dor
dos
dicionários.
O teu trabalho árduo,
o teu canto girassol
é tão emblemático,
tão ensimesmado,
que reluz utópico
diante do anonimato.

De onde me encontro
- e não me procuro -
posso rir, e não me ouves;
posso escrever, e não me lês.
Sou um poeta.

terça-feira, 18 de março de 2008

COMO DIRIA GLAUCO MATTOSO...

SONETO 49 VERSÁTIL


A crítica que tenho recebido
é quanto ao tema, não quanto ao formato:
"O Glauco trata só de pé e sapato,
ainda que use o molde mais subido."

Respondo antes de tudo por Cupido:
comigo ele jamais teve contato.
Além do mais, não vou deixar barato
que assunto algum me seja proibido.

Sou cego mas eclético, e versejo
acerca de problemas tão diversos
que nem forró, barroco e sertanejo.

De grandes e pequenos universos
é feito o Pé que cheiro, beijo e vejo:
a Ele presto conta dos meus versos.

sexta-feira, 14 de março de 2008

E fica por isso

Preguiça de enviar palavras
- sussurros - na minha mente.
[Estou sem concentração.
Ou com, não sei...]
A gravidade pesa!
[E como]
Maltrata o corpo, dentro dele
[Machuca por dentro, sabe?]
-..........................................................olhos na parede,
os desvio com dificuldade e um pouco de raiva.........-
.........................................................................................
Os olhos me fecham
- sinto uma dor –
é uma palavra que não vem
mais . nada.

quarta-feira, 12 de março de 2008

GARIMPO SEMANAL




Autor: Joaquim Branco

sexta-feira, 7 de março de 2008

verborragia crônica

a inoperância do verbo
ser
dilata-se à freqüência com que
a língua trabalha
a língua, que mastiga o verbo
e dilacera e dilacera e dilacera
feito máquina, feito
indústria pornográfica, feito
merchandising: efeito.
Há por dentro uma língua toda máquina
uma linguagem toda verbo
e um machado cujo prego
preenche os buracos
da tua escrita emoldurada
(um machado de aço para-
fuso de giz)

a dita-dura da língua-verbo
(a dita cuja é só verbo-língua)
projeta um futuro quase passado
um pretérito mais-que-imperfeito
repleto de
oh,
hei,
ais!

Permeia o cético de tão divina língua-verbo
rejeita a faceta do concreto
a língua-verbo que é só língua só
não se atém à semiótica
sempre semi-nua
semi-atleta
semi-até-analfabeta

a língua-verbo
não lê, não
escreve, só saliva
diante do prato que não pode comer.

(está de dieta)

quarta-feira, 5 de março de 2008

PereguinAÇÃO

..............Só há fama na cama da moça,

que escreve rápido nos teclados

s.l.ç.n.o nostalgia.

.o.u.a.d

.........................................................................

.......................................- Na cama dela também há pecados,

..............................................mas isso não tem nada a ver -

.........................................................................

Ela jura pela letra de Ana:

..............Irá dissolver-se em toda a água

............................................o..m

.........................................d.........u

..........................................o.......n

..............................................d

..............Jura também por Caio e Paulo.

....................................................................

........................Conta cheia de pose:

....................“Pessoas de todas as partes:

....................vocês terão que me engolir.”

segunda-feira, 3 de março de 2008

COMO DIRIA MÁRIO FAUSTINO...

Vida toda linguagem

Vida toda linguagem,
frase perfeita sempre, talvez verso,
geralmente sem qualquer adjetivo,
coluna sem ornamento, geralmente partida.
Vida toda linguagem,
há entretanto um verbo, um verbo sempre, e um nome
aqui, ali, assegurando a perfeição
eterna do período, talvez verso,
talvez interjetivo, verso, verso.
Vida toda linguagem,
feto sugando em língua compassiva
o sangue que criança espalhará – oh metáfora ativa!
leite jorrado em fonte adolescente,
sêmen de homens maduros, verbo, verbo.
Vida toda linguagem,
bem o conhecem velhos que repetem,
contra negras janelas, cintilantes imagens
que lhes estrelam turvas trajetórias.
Vida toda linguagem –
como todos sabemos
conjugar esses verbos, nomear
esses nomes:
amar, fazer, destruir,
homem, mulher e besta, diabo e anjo
e deus talvez, e nada.
Vida toda linguagem,
vida sempre perfeita,
imperfeitos somente os vocábulos mortos
com que um homem jovem, nos terraços do inverno, contra a chuva,
tenta fazê-la eterna – como se lhe faltasse
outra, imortal sintaxe
à vida que é perfeita
língua
eterna.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

com penetração

.
Vou escrever um poema
de camisola
e penetrá-lo, penetrá-lo, penetrá-lo
de camisinha.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Com e sem os pingos

Os pingos nos “is” não vou pôr
e dispor em desacento ordenado.
Acima de cada palavra um pensamento.
Formação de continui-frase-dade em segmento
incomoda se no fim a distância aumenta
se palavra (en)curta a frase (a)tormenta.
Reconstitui o tudo por um novo
e as mãos suplicam reboco
do princípio a fuga não existe
é o começo indubitável
pintável
triste.
Feliz
no fim do agora é futuro.
Reescreve em partes cada etapa no escuro,
reflexões que cheias de “is” aparecem -
abaixo a importância dos pingos -
e deixo você pô-los dessa vez.
Construir frases simples e retas -
nada de listras ou xadrez -
Tudo mostrado nos mínimos, com mimos,
manual de explicações, setas,
Não deixar ninguém pensar...
E os pingos nos céus eu vou pôr,
para chover até que tudo acabe!
Pois de que me adianta viver assim?
Sem entusiasmo, com tanto detalhe?
Está jogado na face!
Tiraram a minha contemporaneidade – achei que ela não tinha fim.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

COMO DIRIA DORA FERREIRA DA SILVA...

Órfica

Não me destruas, Poema,
enquanto ergo a estrutura do teu corpo
e as lápides do mundo morto.
Não me lapidem, pedras,
se entro na tumba do passado
ou na palavra-larva.
Não caia sobre mim, que te ergo,
ferindo cordas duras,
pedindo o não-perdido
do que se foi. E tento conformar-te
à forma do buscado.
Não me tentes, Palavra,
além do que serás
num horizonte de Vésperas.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Que droga!

Escrevia um concretismo tal
que soou subjetivo. "Cadê o sujeito? Cadê
a essência além da forma? Perfeito:
agora eu uso palavras diversas
para escrever uma só". Não entendia, não
prestava atenção ao poema. Tanto dizia
ele, perdeu o sentido naquela folha perdido,
amarelo doente de pó.

domingo, 10 de fevereiro de 2008

GARIMPO SEMANAL

Apartheid Soneto




Autor: Avelino de Araújo

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Engula

..........................................................Letra mais
.............................................letras chegam
............................................mar à tona
...................................de boas vindas
.........................Amontoam-se na boca
........................salivando entre os dentes
.................................engolindo as palavras
........................................GORDOS GOLES:
...........................................blog blog blog blog
.............................................................e mas-
...............................................tigo mastigo
como
(não há mar)
a língua que eu amo?
(não há mar)
as letras que eu amo?
(não há mar)
entretanto
................afogam
............................se...
..................................no seco da garganta
.....................................................descem
.....................................................seus
.....................................................hífens
.....................................................tal
.....................................................vez
.....................................................também
.....................................................os
.....................................................pontos
.....................................................e
.....................................................vír
.....................................................gulas.




poema feito por Aline Gallina e Priscila Lopes

quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Sensação travestida

Hoje nasceu um homem bom

de barbas brancas e chapéu.

Quando feto, era quase invisível

e cresceu anos à frente do que seria normal.

Nesta tarde ele deve ter posto ao seu redor o direito

de levar os olhos às letras de sua mãe

e escolher a melhor posição

para passar algumas boas horas escrevendo.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

PPS - Pequena Poética Saudosista

Posso esquecer-me de amigos e parentes
- hei de esquecer o nome do João da padaria,
da tia Idalina, do seu Francisco - e tanta gente
se anuncia à minha frente, eu vou sozinha?
Não. Vêm todos os Andrades – e na Rua dos Andradas vamos
encontrar o velho Quintana. Porque outro dia me disseram
que eu estou adiantada – à frente do meu tempo me observam:
Eu cheguei muito atrasada.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

A dança da tansa

Olha a lambança que a tansa fez!
Deixou que lhe servissem de dedos
os anéis que sumiram.
Veja a dança que a coitada tem!
É de quebrar meu pescoço de ré
que lhe é bem-vindo.
Mas por que a moça desengonçada
insiste em brincar com a tinta no
papel pautado?
Seu construir é um tanto ousado
Para quem nem sabe o que é pintar.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

GARIMPO SEMANAL

Esmo

O líqüido negro e quente
invadindo a lingua às iminências
Suga da epiderme terminal de mais um dia
o esqueleto arquitetado das idéias esvaídas
do expirar aeróbico de cada sofisma
Morada erguida pelas mãos de mais um negro
Em nosso ser o cacifo do infinito
O café, enfim, nos traz à tona
e a caneta reticencia seu esmo.


Autor: Carolina Caetano

sábado, 19 de janeiro de 2008

Degustação

Eu comecei a ter medo da escrita.
Parece que cada palavra
me engole
sem mastigar.
- Vomita, vomita!
Outro dia, eu estava passando
por um livro do Vinicius
e ouvi: "Que moça bonita!"
Eu sou maluca.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

COMO DIRIA CECÍLIA MEIRELES

Motivo

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno e asa ritmada.
E sei que um dia estarei mudo:
- mais nada

sábado, 12 de janeiro de 2008

Que maldade

Horrível!
Um horror irreversível que mata meus olhos
Torna a cegueira desejavelmente perdoável
- eu que não vi o que ocorreu -
senti na pupila todo o asco
que tua repugnante letra
me contou
às zero horas
do dia tal.

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Fonética

Possuía um tranqüilo sotaque
caipira.
Com a ponta da língua erguida e
levemente voltada para trás,
ela a apontava em direção
ao palato duro.
Isso mesmo: a sub-lâmina
da língua molhada
indicando o palato duro.
Possuía um arrojado som retro-
flexo.
- Ah... inocente fonética!

sábado, 5 de janeiro de 2008

GARIMPO SEMANAL

Atitude

Rimar faz mal,
coitado do poeta,
que por qualquer razão,
quer ligar, rimar, juntar.

Prefiro versos soltos,
pequenos e grandes,
cheios de gentes,
cantantes, falantes, antes.

Porra! O que eu faço?
versos e rimas,
narro fatos.

Reflito o momento,
comento, assuntos assim,
não vejo essência,
em fazer versos pra mim.


Autor: Rodrigo Capella
Disponível em: www.rodrigocapella.com.br

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

COMO DIRIA PAULO LEMINSKI...

DESENCONTRÁRIOS

Mandei a palavra rimar,
ela não me obedeceu.
Falou em mar, em céu, em rosa,
em grego, em silêncio, em prosa.
Parecia fora de si,
a sílaba silenciosa.

Mandei a frase sonhar,
e ela se foi num labirinto.
Fazer poesia, eu sinto, apenas isso.
Dar ordens a um exército,
para conquistar um império extinto.