quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Sensação travestida

Hoje nasceu um homem bom

de barbas brancas e chapéu.

Quando feto, era quase invisível

e cresceu anos à frente do que seria normal.

Nesta tarde ele deve ter posto ao seu redor o direito

de levar os olhos às letras de sua mãe

e escolher a melhor posição

para passar algumas boas horas escrevendo.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

PPS - Pequena Poética Saudosista

Posso esquecer-me de amigos e parentes
- hei de esquecer o nome do João da padaria,
da tia Idalina, do seu Francisco - e tanta gente
se anuncia à minha frente, eu vou sozinha?
Não. Vêm todos os Andrades – e na Rua dos Andradas vamos
encontrar o velho Quintana. Porque outro dia me disseram
que eu estou adiantada – à frente do meu tempo me observam:
Eu cheguei muito atrasada.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

A dança da tansa

Olha a lambança que a tansa fez!
Deixou que lhe servissem de dedos
os anéis que sumiram.
Veja a dança que a coitada tem!
É de quebrar meu pescoço de ré
que lhe é bem-vindo.
Mas por que a moça desengonçada
insiste em brincar com a tinta no
papel pautado?
Seu construir é um tanto ousado
Para quem nem sabe o que é pintar.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

GARIMPO SEMANAL

Esmo

O líqüido negro e quente
invadindo a lingua às iminências
Suga da epiderme terminal de mais um dia
o esqueleto arquitetado das idéias esvaídas
do expirar aeróbico de cada sofisma
Morada erguida pelas mãos de mais um negro
Em nosso ser o cacifo do infinito
O café, enfim, nos traz à tona
e a caneta reticencia seu esmo.


Autor: Carolina Caetano

sábado, 19 de janeiro de 2008

Degustação

Eu comecei a ter medo da escrita.
Parece que cada palavra
me engole
sem mastigar.
- Vomita, vomita!
Outro dia, eu estava passando
por um livro do Vinicius
e ouvi: "Que moça bonita!"
Eu sou maluca.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

COMO DIRIA CECÍLIA MEIRELES

Motivo

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno e asa ritmada.
E sei que um dia estarei mudo:
- mais nada

sábado, 12 de janeiro de 2008

Que maldade

Horrível!
Um horror irreversível que mata meus olhos
Torna a cegueira desejavelmente perdoável
- eu que não vi o que ocorreu -
senti na pupila todo o asco
que tua repugnante letra
me contou
às zero horas
do dia tal.

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Fonética

Possuía um tranqüilo sotaque
caipira.
Com a ponta da língua erguida e
levemente voltada para trás,
ela a apontava em direção
ao palato duro.
Isso mesmo: a sub-lâmina
da língua molhada
indicando o palato duro.
Possuía um arrojado som retro-
flexo.
- Ah... inocente fonética!

sábado, 5 de janeiro de 2008

GARIMPO SEMANAL

Atitude

Rimar faz mal,
coitado do poeta,
que por qualquer razão,
quer ligar, rimar, juntar.

Prefiro versos soltos,
pequenos e grandes,
cheios de gentes,
cantantes, falantes, antes.

Porra! O que eu faço?
versos e rimas,
narro fatos.

Reflito o momento,
comento, assuntos assim,
não vejo essência,
em fazer versos pra mim.


Autor: Rodrigo Capella
Disponível em: www.rodrigocapella.com.br

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

COMO DIRIA PAULO LEMINSKI...

DESENCONTRÁRIOS

Mandei a palavra rimar,
ela não me obedeceu.
Falou em mar, em céu, em rosa,
em grego, em silêncio, em prosa.
Parecia fora de si,
a sílaba silenciosa.

Mandei a frase sonhar,
e ela se foi num labirinto.
Fazer poesia, eu sinto, apenas isso.
Dar ordens a um exército,
para conquistar um império extinto.