quinta-feira, 23 de julho de 2009

DE LÁ PRA CÁ

a poesia é a tradução de uma memória. por tradução entende-se o acto de explicar uma imagem, uma situação, ou alguém. por memória entende-se o conjunto de imagens, situações e pessoas. a poesia é uma imagem, uma situação, ou uma pessoa, traduzida em palavras. lida por todos ou por aqueles a quem fascina, a poesia não é escrita por muitos. descrever uma imagem, uma situação, ou uma pessoa, através da narrativa e de outros recursos linguísticos, está acessível à maioria de nós. assim, se quisermos descrever a fotografia acima, diremos que se trata de um quarto, ou de uma sala, embora a presença da cama nos incline mais para a primeira hipótese, mas nenhum de nós terá dificuldade em aceitar que se trata da divisão de uma casa. concordemos que se trata de um quarto e reformulemos: este quarto tem uma cama com um colchão, sem roupa. a janela está aberta e a cortina move-se ao ritmo do vento. a um canto do chão há uma planta e na parede um espelho onde se vê o reflexo de uma pessoa do sexo feminino. estes elementos são evidentes para quem vê esta fotografia. mas estes elementos, apresentados a quem não vê esta fotografia, têm o poder de se transformar noutra realidade. ou seja, se quisermos fazer um desenho de um quarto, com as características acima descritas, cada um de nós recriará no papel a imagem, a situação e a pessoa que o nosso cérebro emitir. a poesia é a recriação de uma realidade ou a projecção de uma ficção. através de palavras, fonemas e construções frásicas, o autor escreve o que pensa e sente e sobretudo o que quer fazer pensar e sentir. a narração não faz pensar ou sentir da mesma forma que a poesia pode fazer, porque a leitura da descrição de factos desperta quase automaticamente as imagens que os representam. embora a imagem de um quarto possa ser diferente para cada um de nós, é sem esforço algum que, ao lermos essa palavra, a compreendemos. por outro lado, a incompreensão que possa advir da leitura de um poema, não é a mesma que advém da leitura de uma narrativa. ao depararmo-nos com uma dúvida, por exemplo, na escrita ou no significado de uma palavra, podemos socorrer-nos de um dicionário ou de um prontuário ortográfico. mas, na poesia, satisfeitas todas as dúvidas de carácter linguístico, podem surgir outras de cariz literário. o entendimento de um poema dependerá da imagem, situação, ou pessoa, nele traduzidas. mais importante, contudo, e porque explicadas daquela maneira em particular, é o efeito sensorial que podem ter no leitor. é desejável que um poema desperte uma actividade neuronal que por outra via permaneceria intacta. a poesia é mais do que a descrição factual e o tamanho desse "mais" é o que o autor quiser.
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Alice Macedo Campos, Portugal

segunda-feira, 20 de julho de 2009

COMO DIRIA JOSÉ PAULO PAES...

Acima de qualquer suspeita

a poesia está morta

mas juro que não fui eu

eu até que tentei fazer o melhor que podia para salvá-la

imitei diligentemente augusto dos anjos paulo torres car-
los drummond de andrade manuel bandeira murilo
mendes vladimir maiakóvski joão cabral de melo neto
paul éluard oswald de andrade guillaume apollinaire
sosígenes costa bertolt brecht augusto de campos

não adiantou nada

em desespero de causa cheguei a imitar um certo (ou
incerto) josé paulo paes poeta de ribeirãozinho estrada
de ferro araraquarense
porém ribeirãozinho mudou
de nome a estrada de ferro
araraquarense foi extinta
e josé paulo paes parece
nunca ter existido

nem eu

quinta-feira, 16 de julho de 2009

tempo-passa

Meu pintinho amarelinho
não cabe mais na minha mão.

E batatinha quando nasce
é exportada - pro Japão?

A Bela Adormecida está acordada,
e minha rima é enjoada
só pra chamar tua atenção.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

GARIMPO LITERÁRIO

receita para um poema
inspirado em Waly Salomão

o poema não se escreve
sozinho, essa folha
com as letras já carimbadas
sobre o papel

é preciso um barbante
amarrado no punho
para puxar
palavras

que são teimosas, às vezes
cismam em não pintar
em correr para fora
da borda, pique-esconde
de letras no quarto
meus dedos buscando
nas paredes
o escuro


Escrito por Alice Sant´Anna

sexta-feira, 10 de julho de 2009

COMO DIRIA CHACAL...

Uma palavra

uma
palavra
escrita é uma
palavra não dita é uma
palavra maldita é uma palavra
gravada como gravata que é uma palavra
gaiata como goiaba que é uma palavra gostosa